domingo, 10 de outubro de 2010

PERIPÉCIAS D'ALEM MAR - MIGUEL DIAS NA TURQUIA ÚLTIMA PARTE

  Há muitos anos vi uma foto em branco e preto do que seria “Catedral de Santa Sofia” em Istambul. Mais tarde fiquei sabendo que não se tratava mais de catedral e sim de uma mesquita; agora, apenas um museu. Tal foto me impressionou pela grandiosidade e senti desejo de conhecê-la.
      Então, nada me impelia a conhecer o povo turco que, para mim ainda soava como algo negativo. Criei-me em Rio Grande, perto da Rua 24 de Maio onde havia uma série de lojas de “turcos”, na verdade sírio-libaneses. É que “turco” era um nome genérico lá usado pra todo árabe, e continha algo de pejorativo. Se seguirmos a história de minhas raízes portuguesas e de minha criação pequeno burguesa, logo entenderemos a fonte deste preconceito em que fui criado.
            Com o passar dos anos, fui me interessando mais pelo assunto “povo”, no caso, o povo brasileiro, historicamente tão mal assistido. Meu interesse por conhecer Istambul era, ainda, reduzido ao efeito que tal foto produzira em mim. Já mais recentemente, passei a ficar curioso do povo que estaria por traz da mesma; comecei a imaginar a mistura de raças e costumes nesta conjunção Europa/Ásia e, desde o início deste ano, comecei a me preparar mentalmente para a aventura de decifrar este povo que sempre me surgira como vilão (filmes “Expresso da Meia Noite”, “Laurence da Arábia” e talvez algum outro de que não me lembre).
            Vim primeiramente para Lisboa, onde mora minha filha Letícia, a quem eu havia convidado para me acompanhar nesta vinda a Istambul, pois não me animava a me aventurar sozinho por terra tão estranha. Letícia, que acabara de passar um mês no Brasil, visitando a Amazônia, não estava a fim de mais uma viagem. Sentindo-me amedrontado com a idéia de vir sozinho, meio que adoeci (resfriado), senti dor no tornozelo direito... mas passados uns dias, melhorei e disse: “Vou, sozinho mesmo!”
            E aqui estou na maior disposição, comprovando que mais vale o estado de espírito. Ontem, terça-feira, acompanhado de Onur, turco, amigo de uma amiga de Letícia e que, além da língua turca, sabe um pouco de inglês (mais do que eu), dei uma volta pelas redondezas da Torre Gálata, culminando com a subida da torre. O passeio foi incrível por vários aspectos. Primeiramente que nunca havia passado tantas horas seguidas tendo que me comunicar em inglês; valeram-me as aulas com o Cristian, mas mesmo assim faltavam vocábulos, e Onur nem sempre sabia. Acrescente-se a isto meu interesse por assuntos subjetivos tais como a própria religião de Onur, que é muçulmano mas nem tanto, segundo o que entendi; está acontecendo o Ramadã e ele ora o leva a sério, ora não.
            Onur é percursionista e, para visitarmos a torre, levou-me por uma rua com uma infinidade de lojas de instrumentos musicais; pelo menos cem metros só de tais lojas, com alguma exceção, e isto dos dois lados da estreita rua. Vi uma loja só de tambores do tipo que ele usa; como qualquer tambor que se preze, eles tem coro onde se bate, mas o corpo é de cerâmica. Ao voltarmos da torre, levou-me à escola onde ele estuda e pratica sua arte; lá estava o professor e mais dois alunos, ensaiando à meia luz numa sala acusticamente isolada: os sons são incríveis. E ainda há quem diga que percursionista não é músico. Pouco antes, na rua, assistira e filmara um músico tocando harpa turca acompanhado por outro ao vilão: lindíssimo!
   A torre Gálata, construída pelo rei de Bizâncio em 528, foi tomada pelos turcos otomanos em 1453, quando estes derrotaram os bizantinos e passaram a dominar o Estreito de Bósforo, que é um ponto da fronteira entre Europa e Ásia, antigo caminho das caravanas que levavam especiarias do oriente para o ocidente. Para quem não sabe, os turcos passaram a impedir a passagem das caravanas e isto foi que levou os portugueses, então primeira nação organizada com suas naus para enfrentar o “Mar Grande”, a tentar chegar às Índias contornando a África. Tal data, que quase coincide com a invenção da imprensa (1439) por Gutenberg, é, pelos historiadores, apontada como o fim da Idade Média e início da Moderna. Esta torre ficou sendo uma espécie de símbolo da conquista, pois, segundo me contou Onur, o então imperador do império bizantino, vendo-se muito inferior em forças para resistir, cedeu graciosamente a cidade, poupando-a.
            Segundo está no ingresso (15 liras turcas), a torre tem 61 metros de altura e 140 acima do nível do mar (no Google está tudo diferente!); é construída de pedras brutas amalgamadas (isto eu vi) e tem um elevador que dá acesso a um restaurante chic lá no alto; sobe-se uma escada e há outro restaurante; no mesmo nível, sai-se e há um passeio estreito, protegido por uma grade e que contorna a torre. Muito turista, mas a vista, que abrange o Bósforo, o Corno Dourado e a velha Istambul, é espetacular; vale o aperto.
                                                           MIGUEL OLHANDO O BÓSFORO
            Hoje, finalmente, visitei o Museu Hagia Sofia (do grego: Sagrada Sabedoria). Foi reconstruída (no feminino, pois foi catedral e, posteriormente, 1453, mesquita) entre 532 e 537 pelos bizantinos. É uma construção bem envelhecida, com seu piso, todo em mármore, com bastantes desníveis e algumas colunas visivelmente inclinadas. Atualmente está sendo restaurada (UNESCO?), pois os turcos, negando o cristianismo, haviam encoberto com emplasto todas imagens cristãs (vide Google, se quiser saber mais). Ainda bem que não retiraram os mosaicos, que ainda apresentam algo, podendo ser restaurados. A construção é monumental; para se ir a um nível superior, donde se vê todo interior por cima, sobe-se por uma seqüência de rampas (ao invés de escadas) com paredes de tijolos sem revestimento: um túnel mal iluminado e um tanto tenebroso.
.           O dia de hoje amanheceu chuvoso. Cansado de ontem, achei ótimo e fiquei pelo hotel, organizando as coisas e iniciando este escrito. Pensando na possível ida ao interior de Sofia e me sentindo mais inclinado para assuntos subjetivos a respeito do povo turco, pareceu-me que eu não me ia surpreender ao ver a velha catedral/mesquita, primeira inspiradora de minha vinda até aqui. À tarde prometia chover mais mas, já descansado, resolvi sair assim mesmo e esperava ver o interior do prédio um tanto escuro. Saí, tomei o trem, começou a aparecer o Sol e fez-se uma linda tarde fresca, e isto me proporcionou uma visita perfeita, com ótima luz do entardecer para mudar todo meu estado de espírito que, repentinamente, se deslumbrou diante de tanta grandiosidade, tanta ostentação, fruto da vaidade humana.
            A obra é realmente monumental e ninguém a pode olhar, ver, e ficar indiferente.
            Quanto ao povo turco... Bem, depois eu conto!
            miguel angelo

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