quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A paixão de experimentar - Ana Lucia Vilela



                                A PAIXÃO DE EXPERIMENTAR

Qualquer boca pode falar democracia. A ditadura no Brasil e em outros países já se justificou através do uso da palavra democracia. Mas democracia não é só palavra, democracia é uma prática que implica que as decisões sobre as formas da convivência devem ser tomadas pela coletividade, ou seja, por todos e cada um de nós. Alguém já disse que a política é o que nos divide acerca da forma sobre a qual vamos nos manter juntos. Desde que nos consideramos todos humanos (isso nem sempre aconteceu porque aos escravos africanos era-lhes negada a humanidade), nessa sociedade globalizada capitalista, vivemos todos juntos, nós, os japoneses, os ugandenses e os paquistaneses. E todos os outros.
Esse “juntos” é que é complicado. Pode ser mantido através da força. Pode ser mantido através do medo. Pode ser mantido através de um cotidiano colonizado pelo trabalho, pela televisão, pelo vídeo game e pelo celular. Mas, felizmente, de tempos em tempos somos chamados a discutir essas formas de nos mantermos juntos. Não só nas eleições, mas nas revoluções, nas greves, nas sublevações. Naqueles momentos em que sentimos que a forma de manter junto é a separação, como nos aparteids (onde brancos são considerados melhores que negros ou arianos melhores que judeus), nas ditaduras (onde aqueles no poder decidem a revelia da vontade da maioria), na exploração (onde há muitos que trabalham e poucos que usufruem), etc. Aí uma voz nos chama, e nos diz que há algo a fazer para mudar a forma pela qual vivemos juntos porque há muitas formas de viver junto que se apóiam na separação.
Houve momentos gloriosos no Brasil em que decidimos tentar viver junto de forma mais equânime, minorando a dor do outro e a nossa, apostando na felicidade e experimentando a felicidade de experimentar novas formas de viver. Experiências belas não apenas por seus resultados, mas pela vontade e ímpeto de experimentar o novo. Esse novo aconteceu algumas vezes na nossa história. Palmares é um exemplo. Revolta da catraca. A coluna Prestes. A luta pelo fim da escravidão. A Balaiada. Revolta dos tenentes. Sabinada. Revolta da chibata. Greves do ABC paulista.  Eleição de João Goulart. A votação pela volta das eleições diretas. Contestado. A passeata dos 100 mil. A eleição do operário e líder sindical Lula para presidente. E há muitos outros que nossa memória não deixa esquecer e que podem ser acrescidos nessa linda lista. Nesses momentos lembramos que não é qualquer paz que é aceitável, porque há sim, uma paz que se gera pela opressão, e Marcelo Yuka soube se interrogar e cantar "Qual a paz que eu não quero conservar, prá tentar ser feliz?"
São períodos históricos de profundas mudanças. Uns violentos, outros mais pacíficos. E todos nós já sentimos essa felicidade que não vem da certeza, mas da coragem de experimentar o novo. Quando dizemos não a um patrão abusivo, mesmo sabendo que o próximo período será difícil. Quando dizemos sim a um novo amor, mesmo sabendo o risco de perdê-lo. Quando mudamos de profissão porque a velha já não nos interessa mais. Quando ficamos grávidas mesmo sem ter as condições materiais necessárias. Nesses momentos a certeza declina ao chão, mas uma alegria inexplicável nos acompanha.
Eu trabalho na área da cultura e tenho visto, nestes últimos anos uma incrível democratização que vai até consultas públicas para formar as diretrizes das políticas culturais até a descentralização das verbas; vai desde o aumento significativo dessas verbas até a recente constituição do fundo para a distribuição das verbas de renúncia fiscal relacionadas à lei Rouanet. Eu não gostaria de retomar a discussão porque há muitos bons texto em que ela é feita. Os números e a política, na área da cultura não deixam mentir: o governo Lula foi o mais democrático, entendendo por democrático aquele governo no qual as políticas para cada setor são discutidas de forma igualitária entre os trabalhadores, os empresários, os usuários e consumidores deste setor e o governo. Vi o mesmo acontecer na educação e na comunicação.
O governo Lula teve a coragem de experimentar outro modelo de partição do produto social, (que é a riqueza gerada como resultado dos esforços de cada um e de todos). Essa coragem aumentou nossa certeza de que podemos mudar, de que não estamos predestinados, sentenciados, condenados a apenas uma forma de viver junto.
O que me parece fundamental na administração Lula, é o debate público, a instalação dos conselhos, a aposta no diálogo, a felicidade de descobrir que o nosso destino individual e coletivo nos é acessível.
Dilma é essa mulher cuja coragem é inegável. Dilma é a mulher que teve a coragem de errar e a coragem de acertar, “sem medo de ser feliz”. Coragem de não baixar a cabeça, coragem de, como disse Chico Buarque, "não falar fino com Washington nem falar grosso com Bolívia e Paraguai”. A coragem, enfim de assumir as responsabilidades pelo destino e de inventá-lo todos os dias. Essa é a arte, experimentar o novo, inventar novos destinos, novas formas de estar junto.
A felicidade não é a certeza do futuro. A felicidade é a certeza e a alegria na aposta de experimentar o novo.
DILMA É VOTO, ESPERANÇA E PRÁTICA DA ARTE E DA DEMOCRACIA. VOTO NA INVENÇÃO E NO NOVO.

Ana Lucia Vilela

2 comentários:

  1. Muito bom o texto. Idéias claras e objetivas, sem nenhuma agressão ou acusação e sem elogios rasgados. Apenas o sentimento vivido num depoimento contextualizado, sem abordagem exclusivamente econômica.

    Parabéns!
    Danilo

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  2. Dos textos que li, este toca entranhas. Traz nossa base histórica - onde nossa memória é falha - faz pensar através de um posicionamento amplo e macro onde entremeia as nossas miudezas, os nossos amores, os nossos medos e a nossa necessidade de criar e de viver como individuo no coletivo. Brilhante Ana Lucia Vilela! Seu texto dá norte ao nosso pensar: que democracia queremos e porque temos tanto medo dela. O poder compartilhar o simples e o complexo, tanto num caminho para a Europa quanto para a travessia em uma vila.Importa é mesmo a coragem de sempre tentar ser feliz.
    Mesmo para quem não quer votar na Dilma, vale a pena ler, nem que seja para administrar nossas incertezas e reconhecer nossas inseguranças. Coisas todas dos humanos, ambas a medirem a nossa fragilidade.

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