segunda-feira, 15 de junho de 2020

Felisberto Hernández, um autor com mais defensores que detratores

Na trilha da Memória de Felisberto Hernández  - Por Denise Sabino Villanova  - Doutoranda em Literatura Hispano-americana pela Universidad de Salamanca

   

Está na hora de conhecer Felisberto Hernández - poucos escritores tiveram uma trajetória tão cultuada e marcante. Gênio, pioneiro, visionário, inovador ou louco - alguns dos adjetivos atribuídos a ele. Qual o descreve melhor? Ou mesmo todos? E mais: indecifrável, enigmático - todos estes  adjetivos se aplicam a ele. Um, com certeza, merece: essencial. Indispensável. Auto-didata, com interesse por psicologia e filosofia, foi uma espécie de outsider, criador de uma categoria inédita na litertura mundial. E que não se espere pelo nome da categoria. É simplesmente, “felisbertiana”, única e, ao mesmo tempo, paradoxalmente universal. Ler sua obra é compreender as palavras além de uma única realidade, significado e interpretação.  

Mesmo que, por muitos, pertencente ao gênero literatura fantástica, Felisberto, - como era conhecido -, era um perspicaz observador da realidade. Mas a "dita" realidade pode ter diversas camadas. Cada um pode  sentir os fatos de diferentes maneiras. O universo de Felisberto está cheio de pluri-significados.      

Elevado a categoria de mito, Felisberto é relativamente desconhecido das massas, mesmo em seu país de origem. Nasce em Montevidéu em 1902 (falece em 1964) e a partir de 1925 começa a escrever. Ajudado por alguns amigos intelectuais, publica seu primeiro livro, Fulano de Tal. Frequentava classes de piano em criança, fato que registrou em contos como Nos Tempos de Clemente Colling (1942), sobre seu professor, um músico francês cego, Clemente Colling e O Cavalo Perdido (1943), descrevendo sua professora Celine Moulié e a sala de sua casa, inspiração de profundas e insólitas sensações.      

Para ganhar a vida, Felisberto lecionava piano, tocava em concertos pelo Uruguai, Argentina e Brasil e acompanhava filmes mudos ao piano. Exímio pianista, tinha composições próprias, como Primavera (1922), feita para sua primeira esposa, María Isabel Guerra, mãe de sua primeira filha, Mabel. Divorciado de sua segunda esposa, a pintora Amalia Nieto, mãe de sua segunda filha, Ana María, Felisberto conhece em Paris a terceira de suas quatro esposas, a espanhola África de Las Heras, também conhecida como María Luisa e Pátria. Era espiã da KGB - participou até mesmo dos planos do assassinato de Trotski no México - e precisava de um álibi para criar uma célula de espionagem na América do Sul. Felisberto era anti-comunismo, fachada perfeita para uma espiã da União Soviética. Instalam-se em Montevidéu, ela trabalhando em seu elegante atelier de costura. Aparentemente, Felisberto nunca soube da verdadeira ocupação de África.   

Foi “acusado” por alguns críticos de ter vocabulário muito simples, limitado para alguns intelectuais, por sua falta de estudos acadêmicos. Porém não era, de forma alguma, simplista. Ele narra de maneira coloquial os acontecimentos, como se contasse uma estória, transportada para o papel em “dialeto felisbertiano”. Sua digressão convida o leitor a interromper o tempo lógico - diz Felisberto em La Envenenada (1931): “Interrompa a leitura deste livro o maior número de vezes possível: é quase certo que o que você pense nestes intervalos seja o melhor deste livro”.     

Um “escritor único, com um estilo que não se parece a nenhum outro”, nas palavras de Ítalo Calvino no prefácio da edição italiana (1974) de Nadie encendía las lámparas (1947), Felisberto apresenta, sim, um estilo inconfundível: nem literatura fantástica, nem realismo mágico, embora seja o estilo em Las Manos Equivocadas (1946), e menos ainda biografia. Felisberto é simplesmente Felisberto, gostem os críticos ou não. Talvez a sua unicidade resida na maneira como ele descreveu a relação pessoas-objetos e sentimentos, numa dimensão diferente da qual estamos acostumados/anestesiados: uma conexão entre mente-matéria, tempo-espaço, tangível-intangível e real-surreal, com uma técnica de desmontagem e fragmentação do mundo narrado através de suas memórias, mostrando a vulnerabilidade dos sentimentos de objetos, que são animados, como na palavra anima - alma, em latim. São carregados de emoções, obsessões e enfermidades humanas, como no conto As Hortênsias (1949), através de voyeurismo, fetichismo, parafilia e pigmalionismo. Sua obra não trata apenas de (desumanizar) seres humanos, nem de (animar) objetos, mas, simplesmente, de uma nova perspectiva sobre a vida, Seu mundo é real. O que o leitor sente com seus contos depende do que cada um vive. Cada personagem, objeto e estória encontra um autor em Felisberto. É a sua forma de sentir a vida e transpor seu mundo para seus textos e o eu-fragmentado que faz Felisberto ser Felisberto. A obra de Felisberto é realmente um ser que (se) emociona, desconcerta e vive.  

Voltamos à pergunta "gênio, visionário ou louco"? Indefinido? O leitor o dirá. Felisberto seguirá sendo Felisberto, um dos maiores autores de língua espanhola do século XX.  

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Giuliano Girondi
O vazio que há em nós!
Explicando Minions
A sensação de vazio é um sentimento primitivo de solidão inerente ao ser humano, que se cresce dentro de nós desde quando vivíamos em cavernas. Pois assim que aprendemos que a nossa sobrevivência dependia de pertencer a um grupo, logo começamos a nos estruturar em células famílires, depois em tribos, e então em cidades.
Nos últimos 100 anos houve uma estrondosa aceleração no crescimento das megalópoles, gerando maiores agrupamentos de pessoas, o que provavelmente tenha gerado um efeito de stress social por ter extrapolado a capacidade maxima de relações que o neocortex do cérebro humano consegue lidar em relacionamentos sociais emocionalmente estáveis. Ampliando assim a sensação de isolamento e estimulado uma maior necessidade de preenchimento.
Um estudo de psicologia evolucionária conhecido como Numero de Danbar explica que a capacidade humana de relacionamento social estável é de no máximo 250 pessoas, sendo 150 o numero confortável, e que ainda num circulo mais próximo e cotidiano essa relação se limita a no máximo 15 pessoas.
Sabemos que a doença do século não é o Covid, é a ansiedade, ligada a incapacidade de lidarmos com excessos de pressão, de relacionamentos e de informação. Ansiedade está intimamente ligada a depressão e stress. Quanto mais cresce a ansiedade, mais cresce nossa necessidade de compensar o desconforto de nos sentirmos incapazes de lidar com tudo sozinhos, ou seja, precisamos pertencer, nos sentirmos aceitos, voltar ao sensação primitiva de quando nos sentíamos seguros nas cavernas.
Ao mesmo tempo esse, quase fisiológico desejo de pertencimento também é o responsável pela liberação da ocitocina quando nos sentimos amados e em familia. É a resposta química do cérebro que causa a sensação de saciedade emocional. O problema é que este mesmo mecanismo quando em desequilíbrio, pode ficar desesperado pelo preenchimento dessa necessidade primal, se tornando um terreno fértil pra qualquer tipo de fanatismo!
Esse é um fator comportamental que pode ser manipulado usando algoritmos nas redes sociais com muita facilidade. Alem disso, o efeito das redes sociais que ampliaram nosso circulo re relacionamentos de forma rápida e desproporcional, também influenciou muito nesse comportamento.
Quando vc junta isso com fatores culturais e circunstanciais, o efeito pode gerar Minions de todos os tipos!
Cada um de nós deveria ser capaz de avaliar sua capacidade de enxergar através da fumaça e reconhecer isso, mas não funciona assim, sabemos. Mesmo pessoas que podem ser consideradas inteligentes não estão livres disso, pois sabemos que o cérebro primitivo está num nível fisiológico bem mais baixo do que a mente racional, ou seja suas decisões são comandadas pelo seu primata interior.
Sobre o contexto das circunstâncias vale ler a primeira parte dessa entrevista que o filósofo francês Gilles Lipovetsky concedeu em 2009 baseada no livro lançado em 1983 "A era do Vazio" não poderia ser mais atual.
https://domtotal.com/periscopio/237/2009/02/a-era-do-vazio/
Giuliano Girondi
 
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